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Pesquisas da UFSCar analisam acessibilidade da população surda ao audiovisual


Pesquisas da UFSCar analisam acessibilidade da população surda ao audiovisual

Estudos mostram descompasso entre normativas vigentes e reais demandas das pessoas surdas ao consumir a cultura audiovisual

Publicado em 05/01/2022

Agência FAPESP * – Pesquisas realizadas no Laboratório de Tradução Audiovisual e Língua de Sinais (Latravilis) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) evidenciam que os recursos de acessibilidade em produções audiovisuais não atendem às necessidades comunicacionais para pessoas com deficiência auditiva.

Uma dessas pesquisas é financiada pela FAPESP e avaliou se as janelas de Libras em produções audiovisuais de três gêneros – cinematográfico (comédia), jornalístico televisivo e videoaula – são adequadas em relação ao formato, tamanho e à textura (fundo da tela), a partir de questionários virtuais bilíngues, em língua portuguesa e Libras, respondidos por 168 pessoas surdas, jovens e adultas. Janelas de Libras são espaços delimitados no vídeo onde as informações veiculadas na língua portuguesa são interpretadas para Libras.

O estudo mostrou que a preferência por determinada janela de Libras se altera de acordo com o gênero audiovisual, indicando de saída um problema no que determina a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

O questionário abordou cinco variações de janelas para cada um dos três gêneros. As propostas de janelas mantiveram quatro opções-padrão: as três primeiras envolveram critérios propostos pela norma NBR 15.290/05, da ABNT, que determina que a largura da janela deve ocupar, no mínimo, um quarto de tela, independentemente do produto audiovisual. As opções foram: 1) janela com fundo branco; 2) janela translúcida; ou 3) sem janela.

Já a quarta opção envolveu critérios do Guia de Produções Audiovisuais Acessíveis, proposto pela Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura especificamente para o cinema, que adota a técnica Picture-in-Picture (PIP), separando, em espaços distintos, a produção audiovisual e a tradução, ao posicionar o espaço de Libras no canto inferior direito, em tela menor.

Por fim, para cada gênero, houve uma quinta opção exclusiva, chamada de proposição mercadológica, que já circulou no mercado audiovisual, mas não corresponde ao que pedem as normas vigentes. Para a escolha da quinta proposta de janela para cada gênero, foi realizada uma ampla pesquisa em bancos de vídeos da internet, em plataformas como Facebook e YouTube, a fim de identificar a maior recorrência em cada gênero.

No caso do gênero cinematográfico, esta quinta opção se caracterizou por ter múltiplos tradutores em tela para cada personagem da produção audiovisual, e as janelas aparecem e somem de acordo com os personagens em tela.

Para o gênero videoaula, a proposição mercadológica foi a escolha por uma janela maior, que ocupa metade da tela do vídeo. Enfim, para o gênero jornalístico televisivo, a quinta opção apresentou uma forma redonda da janela com fundo branco chapado, no mesmo tamanho da NBR 15.290/05.

Resultados

Em relação ao gênero cinematográfico, a proposta mais votada positivamente foi a mercadológica, em que há um tradutor para cada personagem; a janela proposta pelo Guia do Ministério da Cultura não teve avaliação positiva justamente para este gênero, mas foi a mais bem avaliada para o gênero jornalístico televisivo. Para o caso de conteúdos televisivos, o Guia recomenda utilizar a NBR 15.290/05 da ABNT. Para o gênero videoaula, a proposta de janela mais bem votada também foi a mercadológica.

“As variações da ABNT, que costumam ser adotadas em diferentes produções audiovisuais, com janelas com fundo branco, translúcidas ou transparentes, não receberam avaliação tão positiva em nenhum dos três gêneros propostos. A janela com fundo branco foi a que recebeu a pior avaliação em todos os gêneros”, relata Marcus Vinicius Batista Nascimento, em entrevista para a Assessoria para a Comunicação Científica da UFSCar. Nascimento é professor da UFSCar e um dos autores da pesquisa.

Com base nos resultados, o pesquisador destaca a necessidade de considerar as pessoas surdas como consumidoras da cultura audiovisual no Brasil e, assim, como interlocutoras. “Os dados encontrados nos dão algumas pistas. É provável que essas normativas estejam sendo propostas, ainda que com bases em pesquisas e estudos, sem uma quantidade suficiente de testes de usabilidade”, registra.

“O que é mais confortável para o surdo? A janela de Libras do lado direito ou esquerdo? Qual o tamanho ideal? Estamos, agora, iniciando essas pesquisas, e esses questionamentos são essenciais para pensarmos na acessibilidade da comunidade surda ao mundo audiovisual, já que existem percepções da língua, do modo de ser e de estar no mundo que só o próprio surdo pode dizer e sentir”, pondera Nascimento.

*Com informações da Assessoria para a Comunicação Científica da UFSCar.
 

Fonte: https://agencia.fapesp.br/37657