A tartaruga-verde (Chelonia mydas) foi a espécie mais estudada entre 1960 a 2021, segundo levantamento de artigos realizado por pesquisadores da Unicamp e UFG (foto: Bernard Dupont/Wikimedia Commons)
Publicado em 06/02/2023
André Julião | Agência FAPESP – Em artigo publicado na revista Ecography, um grupo de pesquisadores brasileiros analisou um conjunto de artigos científicos sobre répteis publicado entre 1960 e 2021, considerando as mais de 11 mil espécies descritas desde o século 18.
De acordo com o levantamento, 15% das publicações nesse período tratam de apenas dez espécies (quatro tartarugas, quatro serpentes, um lagarto e um crocodilo). Para 90,5% das espécies há menos de dez trabalhos publicados e 38,2% delas não tiveram nem sequer um artigo a respeito.
No estudo, assinado por cientistas das universidades Federal de Goiás (UFG) e Estadual de Campinas (Unicamp), os autores apontam fatores que contribuem para que algumas espécies de répteis sejam mais estudadas que outras: o tamanho do animal, o tipo de hábitat, o grau de ameaça de extinção, a distância da área de ocorrência de instituições de pesquisa e a renda do país em que a espécie ocorre, entre outros. Esses resultados podem ajudar a definir prioridades de pesquisa na área.
“Embora tenhamos muito mais espécies em regiões tropicais, as de regiões temperadas são mais estudadas, especialmente no hemisfério Norte, onde estão países ricos e com mais instituições de pesquisa. Por isso, as nações de maior renda precisam investir também para o conhecimento da biodiversidade nas regiões tropicais”, afirma Mario R. Moura, professor do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp apoiado (projetos 22/12231-6 e 21/11840-6) pela FAPESP e um dos coordenadores do estudo.
O trabalho é assinado por outros dois autores: Jhonny Guedes, que realizou a pesquisa como parte de seu doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução da UFG, e José Alexandre Diniz-Filho, professor no Instituto de Ciências Biológicas da UFG, seu orientador.
Viés de pesquisa
O grupo levantou um total de 89.280 trabalhos na base Scopus, que reúne uma grande parte da produção de artigos científicos publicados nas últimas décadas. As buscas foram realizadas a partir do nome de cada uma das 11.570 espécies de répteis descritas até 2021. Para 10.531 foram encontrados trabalhos publicados, considerando o período de 1960 a 2021.
Como esperado, espécies descritas há mais tempo possuem mais pesquisas. Isso se dá tanto pelo tempo que se teve para fazer novos estudos quanto pela disponibilidade de espécimes em museus de história natural.
Outros fatores chamaram a atenção dos pesquisadores. Um deles foi a predominância de animais de grande porte entre as espécies mais estudadas, resultado similar ao observado em estudos com outros vertebrados. Outro resultado aponta para maior facilidade de pesquisas sobre espécies de hábitat terrestre ou aquático, sendo mais raro encontrar estudos para animais arborícolas ou fossoriais (que vivem debaixo da terra).
“De modo geral, são mais estudadas aquelas que podem ser avistadas mais facilmente por nós, humanos. Com isso, alguns lagartos que vivem na serrapilheira [camada de folhas secas sobre o solo] quase não têm estudos, da mesma forma que muitas serpentes fossoriais. Coletar nesses locais exige métodos mais complexos e, por vezes, mais caros”, conta Moura.
Seguindo essa lógica, a tartaruga-verde (Chelonia mydas) (2.130 artigos) e a tartaruga-cabeçuda (Caretta caretta) (2.058 artigos), que desovam todo ano em praias do mundo inteiro e têm cerca de 1,5 metro de comprimento, foram as duas espécies mais estudadas. Da mesma forma, o gigante crocodilo Alligator mississippiensis, que pode ultrapassar 4,5 metros, ainda que restrito ao sudeste dos Estados Unidos, foi o sexto com mais artigos publica-dos a respeito (1.049).
O grau de ameaça de extinção também se mostrou um fator importante para determinar as espécies que receberam mais atenção dos cientistas. É o caso das próprias tartarugas verde e cabeçuda, consideradas em perigo e vulnerável à extinção, respectivamente, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).
“Essa é uma boa notícia. As mais ameaçadas precisam ser bem conhecidas para que as estratégias de conservação sejam mais efetivas”, assegura.
A ocorrência de espécies próximas a cidades, rodovias, hidrovias ou aeroportos foi um fator importante para que houvesse muitas pesquisas sobre elas. Já as que vivem em áreas remotas, de difícil acesso, apresentaram menor número de pesquisas.
Uma solução de longo prazo para diminuir a diferença de conhecimento entre espécies, defendem os pesquisadores, é direcionar a atenção tanto do público geral como dos cientistas para as menos estudadas.
Uma alternativa mais imediata e viável, porém, seria fazer estudos comparativos – algo bastante comum na herpetologia, o estudo dos répteis – entre espécies sobre as quais se tenha o mesmo grau de conhecimento.
O artigo Species out of sight: elucidating the determinants of research effort in global rep-tiles pode ser lido em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/ecog.06491.