O herpesvírus endoteliotrópico dos elefantes (EEHV) causa doença hemorrágica que pode vitimar a prole de elefantes-asiáticos (Elephas maximus) em até 24 horas (foto: Chester Zoo/divulgação)
Publicado em 08/10/2025
André Julião | Agência FAPESP – Um grupo de pesquisadores do Reino Unido e do Brasil, apoiado pela FAPESP, desenvolveu a primeira vacina contra um gênero do vírus do herpes que infecta elefantes, uma das maiores causas de mortalidade de filhotes. O estudo foi publicado sexta-feira passada (03/10) na revista Nature Communications.
A prova de conceito, como é chamada, atestou a segurança do imunizante, além de ter mostrado, por meio da chamada imunologia de sistemas, que a vacina produz resposta celular contra o agente infeccioso, conhecido como herpesvírus endoteliotrópico dos elefantes (EEHV, na sigla em inglês).
“Obtivemos uma boa resposta celular, aquela induzida pelas chamadas células T, o que é bastante positivo. Vacinas contra vírus tendem a estimular resposta humoral, de células B, em que são produzidos anticorpos. No entanto, em casos como esse, em que há mais de um sorotipo, uma resposta humoral pode piorar o quadro da doença caso o paciente seja infectado posteriormente por um segundo sorotipo, como ocorre com a dengue”, explica Helder Nakaya, pesquisador sênior do Instituto de Ensino e Pesquisa Albert Einstein e da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP) e um dos autores do estudo.
Nakaya teve auxílio da FAPESP por meio de projetos na modalidade Jovens Pesquisadores – Fase 2 e São Paulo Researchers in International Collaboration (SPRINT), em acordo com a Universidade de Surrey, no Reino Unido.
“Com nossos parceiros de São Paulo, os testes de alterações no sangue antes e depois da vacinação, com e sem o estímulo do antígeno, demonstraram inequivocamente que a vacina estava alcançando seu objetivo, estimulando especificamente células T que matam células infectadas e que direcionam o sistema imune na direção correta”, afirma Falko Steinbach, professor da Escola de Veterinária da Universidade de Surrey, no Reino Unido, que coordenou o estudo.
Outro coautor brasileiro do estudo foi Frederico Moraes Ferreira, pesquisador da Faculdade de Medicina da USP.
Testes
Os testes se deram em duas etapas e tiveram como pacientes três elefantes-asiáticos (Elephas maximus) adultos, com idades entre 18 e 49 anos, residentes no Zoológico de Chester, no norte da Inglaterra.
Na primeira etapa, um dos elefantes recebeu o vetor viral, dotado de duas proteínas do vírus do herpes dos elefantes. Após três semanas, o animal recebeu o booster, uma dose de proteínas purificadas adicionada de um adjuvante, como forma de reforçar a resposta imune.
Depois de outras três semanas (seis após a primeira dose), a primeira combinação foi novamente aplicada, com o reforço de proteínas e adjuvante outras três semanas depois, totalizando nove semanas de estudo.
Sem efeitos colaterais observados e com as análises do sangue demonstrando que a vacina ativou as células T, os pesquisadores começaram a segunda etapa do estudo. Nela, os quatro ciclos foram repetidos na mesma ordem, porém, em dois elefantes e com um intervalo maior entre o primeiro e o segundo ciclos, totalizando 14 semanas de estudo.
Vacina pode ser armazenada e transportada em temperaturas entre 2 e 8 °C por períodos curtos; dessa forma, além de animais em cativeiro, populações selvagens podem ser imunizadas (foto: Chester Zoo/divulgação)
Novamente, sangue e plasma foram coletados e analisados numa estrutura laboratorial criada no próprio zoológico, a fim de evitar prejuízos às amostras durante o transporte. Uma das análises foi a de transcriptoma completo, em que se verificam todas as proteínas expressas a fim de observar as vias imunes ativadas.
Os resultados sugerem que a vacina pode prevenir a forma letal da doença em filhotes entre um e oito anos de idade, o grupo de maior risco, podendo apoiar programas de conservação das espécies. O vírus causa uma doença hemorrágica que pode matar os filhotes em até 24 horas.
“Ainda não sabemos exatamente porque o vírus causa uma doença tão severa nos animais jovens, mas acredita-se que ele é passado dos mais velhos [naturalmente imunes] para os filhotes. Possivelmente isso ocorre enquanto estão sendo desmamados e os anticorpos passados por meio do leite materno diminuem. Nessa fase, o sistema imune do filhote não está completamente maduro e pode não combater o vírus adequadamente”, diz Steinbach à Agência FAPESP.
Conservação
Outra vantagem da vacina é que ela pode ser armazenada e transportada em temperaturas entre 2 e 8 °C, pelo menos por períodos curtos, o que a torna adequada para condições de campo. Dessa forma, além de animais em cativeiro, populações selvagens poderiam ser vacinadas.
Os autores ressaltam que a plataforma usada para o desenvolvimento da vacina pode ser adaptada para vírus novos e emergentes em outras espécies ameaçadas de extinção.
Existem menos de 40 mil elefantes-asiáticos na natureza, o que os torna em perigo de extinção segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), maior referência global em espécies ameaçadas. A espécie é a mais afetada pelo vírus, embora casos tenham sido relatados na espécie da savana africana, também ameaçada de extinção.
“O próximo passo é a fase 2 do estudo, repetindo o procedimento em um número grande de animais. Caso os resultados sigam positivos, certamente outros zoológicos vão se interessar, além de abrir a possibilidade de imunizar populações selvagens, contribuindo imensamente para a conservação das espécies”, encerra Nakaya, que é também pesquisador do Institut Pasteur de São Paulo.
Plataforma usada para o desenvolvimento da vacina pode ser adaptada para vírus novos e emergentes que afetam outras espécies ameaçadas de extinção (foto: Chester Zoo/divulgação)
O artigo A safe, T cell-inducing heterologous vaccine against elephant endotheliotropic herpesvirus in a proof-of-concept study pode ser lido em: nature.com/articles/s41467-025-64004-x.