Composição associa enzima extraída do veneno da serpente cascavel com o crioprecipitado rico em fibrinogênio obtido do sangue de búfalo (foto: Leonardo Melo/Cevap-Unesp)
Publicado em 24/06/2025
Agência FAPESP* – O Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos da Universidade Estadual Paulista (Cevap-Unesp) obteve um financiamento de aproximadamente R$ 8 milhões do Ministério da Saúde para conduzir ensaio clínico de fase 2 de um biofármaco inovador – o selante de fibrina liofilizado (SFH-Lyo) – indicado para o tratamento de úlceras venosas crônicas. O SFH-Lyo opera como coagulante e adesivo, otimizando a cicatrização dos tecidos.
A composição desenvolvida pelo Cevap associa substâncias extraídas do veneno da serpente cascavel e do sangue de búfalo. Além de ter um custo de produção mais baixo que os selantes disponíveis no mercado mundial, o produto não utiliza sangue humano, o que reduz os riscos de transmissão de doenças infecciosas e parasitárias.
Sediado no campus de Botucatu, o Cevap é a instituição-sede do Centro de Ciência Translacional e Desenvolvimento de Biofármacos (CTS), um Centro de Ciência para o Desenvolvimento (CCD) da FAPESP (leia mais em: agencia.fapesp.br/51939 e agencia.fapesp.br/41119).
Os recursos foram obtidos no âmbito do Programa de Desenvolvimento e Inovação Local (PDIL) do Ministério da Saúde, que objetiva fomentar inovação tecnológica, impulsionar a economia regional e fortalecer a articulação entre pesquisa, setor produtivo e governo, contribuindo para acelerar o lançamento de novos medicamentos no país, com distribuição no Sistema Único de Saúde (SUS). Das 114 propostas submetidas ao PDIL, 22 foram aprovadas.
O biofármaco foi idealizado pelo Cevap há mais de 20 anos com o objetivo de tratar úlceras venosas crônicas – feridas que surgem, geralmente nas pernas, por causa de má circulação, o que leva à estagnação do sangue e à oxidação dos tecidos. Elas representam um grave problema de saúde devido à alta prevalência, difícil cicatrização e elevada taxa de recorrência. Segundo o Conselho Federal de Enfermagem, estima-se que aproximadamente 3% da população brasileira tenha úlcera de perna, número que salta para 10% em pessoas com diabetes. Além disso, a doença ocupa o 14º lugar entre as que causam afastamento do trabalho.
O produto original já foi testado com sucesso em ensaio clínico (fases 1 e 2), demonstrando segurança e eficácia. Posteriormente, foi aprimorado por meio de liofilização, um processo que aumenta estabilidade e tempo de prateleira. Essa etapa foi viabilizada com apoio do Projeto Multiusuário da FAPESP e realizada no CTS.
O objetivo do novo estudo é avaliar se o SFH-Lyo é seguro para uso clínico, comparando seus resultados ao tratamento padrão já utilizado na rede de saúde. Para isso, os pesquisadores acompanharão possíveis eventos adversos, alterações em exames laboratoriais e a resposta imunológica dos pacientes. “Eles serão acompanhados por um período de três a seis meses, durante o qual serão coletados dados clínicos e laboratoriais. Ao final do estudo, com a inclusão de 60 participantes – 30 no grupo do SFH-Lyo e 30 no grupo-controle –, será realizado um diagnóstico detalhado dos resultados para elaboração do dossiê a ser enviado à Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária], de publicações científicas e do relatório técnico final”, detalha Luciana Abbade, docente da Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB-Unesp) e pesquisadora principal do projeto.
“O Cevap não apenas inova ao oferecer um produto mais prático e acessível, mas também reforça sua posição de vanguarda na pesquisa e desenvolvimento de biofármacos de origem animal”, destaca Marco Antônio Stephano, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP) e um dos responsáveis pelo projeto de liofilização do selante de fibrina.
Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos, o Brasil ainda importa 95% dos insumos farmacêuticos ativos (IFAs), evidenciando uma dependência externa em insumos e tecnologias na área farmacêutica. “Contribuir com o SUS oferecendo um produto genuinamente brasileiro, liofilizado e a baixo custo concretizará um sonho de quase 30 anos de trabalho dos pesquisadores envolvidos”, comemora Benedito Barraviera, um dos fundadores do Cevap que hoje dirige o CTS. “Por ser versátil, ou seja, adesivo, selante, coagulante e principalmente cicatrizante, a comercialização internacional certamente ocorrerá.”
* Com informações de Melissa Arruda Vieira e Juliana Marques, do CTS-Cevap.