Projeto liderado por pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas e da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, faz análise detalhada sobre o efeito de políticas públicas e decisões governamentais no controle da COVID-19 e assinala fatores que influenciaram o sucesso ou o fracasso dos países (imagem: Masum Ali/Pixabay)
Publicado em 29/04/2021
Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – Todos os países que obtiveram êxito em conter a pandemia o fizeram de forma parecida, os que fracassaram cometeram erros, cada um à sua maneira. Essa é a conclusão de “Coronavirus Politics: The Comparative Politics and Policy of COVID-19”, livro publicado na quinta-feira (22/04) pela University of Michigan Press e que compara os efeitos de políticas públicas e decisões governamentais para enfrentamento da COVID-19 em 35 países. Ao todo, o livro menciona os efeitos da pandemia em 77 países.
Ao parafrasear a frase de abertura da obra literária Anna Karênina, de Liev Tolstói – “Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira” –, os integrantes do estudo liderado por Elize Massard da Fonseca (Fundação Getúlio Vargas), Scott Greer e Elizabeth King (Escola de Saúde Pública da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos) indicam que iniciativas de proteção social – como o auxílio emergencial, linhas de crédito para empresas e redução de impostos e tarifas para vulneráveis –, quando implementadas de forma coordenada com medidas de saúde, são determinantes para conter a disseminação do vírus, evitar mortes e instabilidades econômicas.
A boa cadência dessas medidas foi ainda mais determinante do que fatores relacionados à capacidade do sistema de saúde ou até mesmo ao nível de renda per capita de cada país.
“O grande achado do nosso estudo foi que os países que conseguiram atrelar, lá no começo da pandemia, medidas de saúde não farmacológicas – como distanciamento social, rastreamento de contato e o uso de máscaras – a políticas sociais que permitiram que as pessoas de fato ficassem em casa conseguiram obter uma boa resposta no enfrentamento da pandemia. E isso foi observado em países de alta, média e baixa renda”, afirma Fonseca à Agência FAPESP.
O livro, que recebeu apoio da FAPESP, analisa os dez primeiros meses da disseminação do SARS-CoV-2 pelo mundo (até setembro de 2020), quando ainda não havia vacinas disponíveis. A análise contou com a participação de 66 pesquisadores que escreveram sobre países espalhados pelos cinco continentes. Há capítulos que abordam e comparam mais de um país ou uma região.
Além do livro, o trio de pesquisadores também publicou no dia 20 de abril um artigo na revista Global Public Health sobre as lições aprendidas no combate à COVID-19 no Brasil, Alemanha, Índia e Estados Unidos.
Logo que a pandemia foi anunciada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em março de 2020, as medidas necessárias para minimizar ou impedir a disseminação do vírus já eram bem conhecidas. “Aprendemos todos muito rapidamente sobre os riscos, os meios de disseminação da COVID-19, como evitar mortes e o colapso dos sistemas de saúde. Sobretudo, se a compararmos com a epidemia de Aids, por exemplo, que demorou anos para se fazer o sequenciamento genético do vírus e, inclusive, entender que se tratava de uma DST”, relata a pesquisadora.
Fonseca ressalta que, com a COVID-19, universidades, centros de pesquisa e a própria OMS rapidamente estipularam diretrizes para o enfrentamento da pandemia. “Tudo bem que só depois descobriu-se a importância de usar duas máscaras, por exemplo, mas sabia-se que era uma doença provocada por um vírus respiratório e os países tinham informações suficientes para dar respostas e implementar medidas para o problema”, afirma a pesquisadora.
Mesmo assim, houve uma variação muito grande na resposta entre os países. Enquanto Estados Unidos, Brasil, Índia e Espanha viveram resultados trágicos com recordes de mortes e hospitalizações, países tão diversos como Vietnã, Mongólia, Alemanha, Nova Zelândia, Coreia do Sul, Taiwan e Noruega foram casos bem-sucedidos. Como uma longa maratona, o ano de 2020 terminou com China e Vietnã em maior constância e bons resultados do que Canadá e Alemanha – ambos prejudicados pela reincidência de lockdowns e medidas restritivas.
Dessa forma, a falta de coordenação entre medidas sociais de saúde foi determinante para o mau resultado não só no Brasil, como também em diversos países. “Por aqui, os ministérios da Saúde e da Economia não conversavam, o que fez com que essas medidas de enfrentamento fossem desenhadas de forma não coordenada. Embora o auxílio emergencial tenha tirado muitas pessoas da pobreza, infelizmente ele não fez com que a população ficasse em casa efetivamente. Isso é um problema quando há necessidade de quarentena e da implementação de medidas restritivas. Havia também a necessidade de campanhas de comunicação para que de fato o maior número de pessoas ficasse em casa”, diz.
De acordo com Fonseca, o uso de políticas sociais generosas, desarticuladas com intervenções de saúde pública, também foi desastroso para os Estados Unidos, a maior potência econômica do mundo.
Outra resposta malsucedida levou a Índia ao colapso. No país asiático, enquanto duras medidas de saúde pública foram aplicadas, não foi instituído nenhum apoio de política social. Já a Alemanha, que implementou iniciativas de proteção social generosas em compasso com distanciamento social, fechamento do comércio e uma boa comunicação com a sociedade, obteve sucesso na primeira etapa de enfrentamento da pandemia.
Colher os louros e distribuir culpas
No Brasil, pode-se notar também outro tipo de problema de coordenação. “Tivemos políticas sociais muito fortes, mas as medidas de saúde estavam completamente descoordenadas dentro do governo federal e entre os Estados. Em um país grande como o nosso, precisamos de ações coordenadas, não só entre os países vizinhos, mas principalmente entre as unidades subnacionais, para lidar com uma doença infectocontagiosa que não respeita fronteiras”, diz.
Para a pesquisadora, o efeito dessa desarticulação entre saúde e proteção social criou um efeito apenas paliativo no Brasil e, como ocorreu em quase todos os países, permitiu que presidentes e primeiros-ministros colhessem os louros para si e distribuíssem a culpa sobre o que não estava dando certo.
O livro destaca que o presidente brasileiro reivindicou os créditos das políticas sociais (auxílio emergencial) propostas pelo Congresso e transferiu a culpa de medidas impopulares de distanciamento social para Estados e municípios. Nos Estados Unidos, Donald Trump fez o mesmo. Os autores destacam ainda que, em todo o mundo, líderes populistas culparam a China pelo problema e buscaram crédito por responder à pandemia com retórica e política xenófobas.
“No Brasil, cada Estado trouxe a sua medida de distanciamento social, às vezes até o lockdown, mas tudo de forma muito descoordenada. No início de 2021, com a alta dos casos e mortes, parece que começou a cair a ficha e iniciou-se uma discussão de os Estados tentarem fazer ações mais articuladas. No Brasil, o Ministério da Saúde é o responsável por essa coordenação, mas, por uma série de motivos, não chamou para si essa responsabilidade”, avalia.
A política importa
Outro achado do estudo está em indicar as variáveis políticas que ajudaram e atrapalharam o combate à pandemia, resultando em respostas tão heterogêneas entre os países. De acordo com os pesquisadores, essas variáveis políticas fizeram com que a estrutura institucional de saúde pública, como profissionais de saúde e hospitais, tivesse efeito limitado no combate à pandemia.
“A questão do presidencialismo importa. Os presidentes têm poderes constitucionais para agir ou não. No Brasil, [Jair] Bolsonaro usou de poderes constitucionais para nomear ministros que são mais próximos às suas ideias de combate à pandemia e para disseminar essa agenda altamente controversa e até excêntrica. Houve uma interferência no Ministério da Saúde nunca vista no período democrático, na apresentação de dados, em protocolos clínicos e até na definição da lista de atividades essenciais por meio de decretos”, comenta.
Outros líderes também apresentaram comportamentos controversos a partir do uso de poderes constitucionais, embora alguns menos excêntricos. Isso foi observado no Chile com Sebastián Piñera, nos Estados Unidos com Donald Trump, no México com López Obrador e no Reino Unido com Boris Johnson – nesse último caso, até que a estratégia fosse completamente alterada no primeiro semestre de 2020. “Não importa o quanto de recurso pode ser colocado para construir hospitais de campanha, abrir UTIs. Presidentes usaram poderes constitucionais à disposição para implementar uma agenda própria, não necessariamente de combate à pandemia”, diz.
Nos Estados Unidos, Donald Trump minimizou os riscos e efeitos do vírus e foi um árduo crítico de Anthony Faucci, líder da força-tarefa da Casa Branca contra o coronavírus. “Ele também colocou de lado as suas capacidades estatais em detrimento de uma agenda política controversa”, afirma.
Vacinação e uma nova onda de análise
O livro analisou a resposta dos países em um período da pandemia em que as vacinas ainda não estavam autorizadas e existiam apenas medidas não farmacológicas para a contenção do vírus. “Nesse primeiro livro, tratamos de uma dinâmica de resposta à pandemia em que se precisava de medidas não farmacológicas. Quando começaram a sair as vacinas, a dinâmica política da pandemia mudou muito. Entraram novas variáveis de economia política. Até outubro não havia nenhuma vacina aprovada, isso só aconteceu em dezembro de 2020”, diz.
O grupo de pesquisadores pretende agora iniciar uma nova rodada de análises e existe a previsão do lançamento de um segundo livro no final de 2021, com o foco a partir da aprovação das vacinas e sua implementação por meio de campanhas de vacinação.
A versão digital do livro pode ser baixada gratuitamente no site: www.fulcrum.org/concern/monographs/jq085n03q.