Pesquisadores da USP mostraram, por meio de experimentos com animais e com células geneticamente modificadas, que esse tipo de câncer avança mais lentamente quando a molécula fotossensora conhecida como melanopsina é desativada. Descoberta pode indicar novas estratégias terapêuticas (imagem: Wikimedia Commons)
Publicado em 12/07/2022
Julia Moióli | Agência FAPESP – Encontrada em células da pele e da retina, a melanopsina (OPN4) é uma proteína que atua como um sensor de luz. Um novo estudo conduzido na Universidade de São Paulo (USP) sugere que a molécula também pode ter participação no desenvolvimento e na progressão do melanoma, o tipo mais agressivo de câncer de pele.
Por meio de experimentos com animais e com células geneticamente modificadas, pesquisadores do Laboratório de Fisiologia Comparativa da Pigmentação do Departamento de Fisiologia do Instituto de Biociências (IB-USP) mostraram que a doença avança mais lentamente quando essa proteína não é funcional. Os resultados foram publicados na revista científica Communications Biology, ligada à Nature.
Apesar de outros grupos já terem demonstrado que opsinas podem atuar em cânceres, esta é a primeira constatação do tipo para o melanoma, que responde por 5% dos tumores malignos de pele e 80% das mortes por câncer em geral.
O estudo, que contou com o apoio da FAPESP (projetos 17/24615-5, 17/26651-9, 18/14728-0 e 19/19005-9), teve origem em uma pesquisa do mesmo grupo feita com modelos de melanócitos (células da pele que produzem melanina). À época, os pesquisadores mostraram que a melanopsina não apenas estava expressa nessas células como também participava de processos como pigmentação, ajuste do relógio biológico e até mesmo morte celular causada por radiação ultravioleta A (leia mais em: agencia.fapesp.br/24130/).
No trabalho mais recente, foi usada a técnica de edição de DNA conhecida como CRISPR para alterar a sequência do gene Opn4 e criar um modelo estável de célula de melanoma com uma versão não funcional da proteína.
“Quando criamos as células knockouts [sem OPN4 funcional], percebemos que elas tinham um fenótipo muito diferente: cresciam menos e apresentavam capacidade proliferativa reduzida”, conta Leonardo Vinícius Monteiro de Assis, autor do estudo em parceria com José Thalles Lacerda e atualmente pesquisador na Universidade de Lübeck, na Alemanha. “Começamos, então, a nos perguntar e a investigar se a melanopsina tinha papel na progressão do melanoma ou na carcinogênese.”
A teoria foi confirmada primeiro em estudos in vitro e depois em animais. As células tumorais que continham a versão não funcional da OPN4 cresciam menos e de forma mais lenta do que as células selvagens (sem a modificação na OPN4). A descoberta foi posteriormente confirmada por uma técnica de análise de proteínas chamada proteômica e por meio da análise de bancos de dados públicos.
“Em resumo, demonstramos que, no câncer melanoma, quando você remove a OPN4, ocorre uma redução do crescimento celular”, diz Assis. “Isso é causado basicamente por duas vias que não necessariamente são correlacionadas, mas podem ser: o aumento da ativação do sistema imunológico por um motivo ainda não caracterizado e uma redução bem significativa na sinalização de proteínas chamadas GTPases, que são como pequenos motores que atuam na progressão do ciclo celular e estão muito reduzidas nesses tumores.”
O estudo revelou ainda que um fator de transcrição muito importante no melanoma, o MITF (sigla em inglês para fator de transcrição associado à microftalmia), também está muito menos expresso nas células com a versão não funcional da melanopsina.
De acordo com Assis, a somatória de todas as informações sugere, pela primeira vez, que a melanopsina atua como um oncogene no melanoma, ou seja, está associada ao aparecimento e crescimento desse tipo de câncer. Até então, a molécula nunca havia sido associada ao desenvolvimento de tumores. Porém, mais experimentos com linhagens celulares de melanoma e outras abordagens ainda são necessários para confirmar definitivamente esse papel.
Perspectivas para o futuro
O Laboratório de Fisiologia Comparativa da Pigmentação, liderado pela cientista Ana Maria de Lauro Castrucci, foi um dos poucos do mundo a demonstrar que a melanopsina também detecta temperatura, atuando como termossensor e fotossensor de maneira independente, em 2018. Agora, com as novas informações, adiciona mais um aspecto importante ao tema, mostrando que essas moléculas podem se tornar ferramentas terapêuticas promissoras no futuro.
“Possivelmente, a melanopsina pode ser explorada no tratamento do melanoma e isso abre uma nova ramificação para averiguar seu papel em outras doenças, como, por exemplo, as do fígado, onde opsinas também estão presentes”, diz Assis.
O atual foco do Laboratório de Fisiologia Comparativa da Pigmentação é justamente investigar a função da melanopsina de forma sistêmica, em outros órgãos que não são classicamente conhecidos, como tecido adiposo, fígado e coração, entre outros.
O artigo Melanopsin (Opn4) is an oncogene in cutaneous melanoma pode ser lido em: www.nature.com/articles/s42003-022-03425-6.