Flor feminina da abobrinha, uma das espécies que dependem da polinização cruzada para reprodução. Mudanças climáticas podem reduzir atrativos para as abelhas, como o néctar, e impactar áreas naturais e cultivadas (foto: Maria Luisa Frigero/IBB-Unesp)
Publicado em 27/06/2025
André Julião | Agência FAPESP – Estudo apoiado pela FAPESP aponta que as secas projetadas para o fim deste século podem levar a uma redução de 95% do valor calórico potencial do néctar das flores, o que prejudica tanto polinizadores, como as abelhas, quanto as plantas que dependem de polinização cruzada para se reproduzir e frutificar, caso da abobrinha (Cucurbita pepo). Num cenário menos drástico, de redução de chuvas em 30%, a queda observada foi de 34%.
Os resultados foram publicados na revista Scientific Reports.
“Em termos de calorias potencialmente perdidas no néctar, isso equivale a mais de uma tonelada de açúcares por hectare, de 1.325 para 71 quilos. Sem néctar para consumir, as abelhas vão embora, as plantas não se reproduzem e os agricultores perdem a produção”, explica Elza Guimarães, professora do Instituto de Biociências de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (IBB-Unesp) e coordenadora do estudo.
Guimarães é vinculada ao Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Mudanças do Clima (CBioClima), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP sediado no Instituto de Biociências da Unesp, em Rio Claro.
Seu trabalho mostrou que um acréscimo na pluviosidade teve um efeito positivo no aumento de calorias do néctar em 74%.
Os pesquisadores, porém, ressalvam os problemas de mais eventos de precipitação intensa num contexto ecológico mais amplo. “Uma alta frequência e intensidade de chuvas pode ter consequências devastadoras para as plantas, visitantes das flores como aves e insetos e para a própria manutenção das interações entre plantas e polinizadores”, afirma Maria Luisa Frigero, primeira autora do trabalho, realizado durante mestrado no IBB-Unesp.
Como exemplo, os autores citam a queda da atividade de polinizadores durante períodos chuvosos, uma vez que chuvas pesadas dificultam o voo e mesmo a regulação da temperatura corporal, exigindo mais energia para buscarem alimento. Além disso, há os efeitos nas plantações causados pelo aumento da erosão e pela perda de nutrientes.
Experimentos
Os experimentos foram feitos com plantas de abobrinha cultivadas em estufa, irrigadas de modo a simular o regime de chuvas dos últimos 40 anos no mês de setembro, quando é normalmente cultivada na região de Botucatu. Os cenários de aumento e redução da pluviosidade são os previstos pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) para o fim do século.
Foram produzidas 120 plantas em condições iguais de temperatura e disponibilidade de nutrientes e água até as primeiras folhas brotarem. Após esse período, foram divididas em quatro grupos de 30 indivíduos. Cada grupo recebeu um tratamento, de forma a simular diferentes condições de chuva.
Enquanto um grupo-controle se manteve no regime normal de pluviosidade para o período do ano na região, os outros receberam uma quantidade de água proporcional a um cenário de diminuição de chuvas (redução de 30%), excesso (57% de aumento) e seca, onde havia uma diminuição equivalente a 80% da pluviosidade normal, seguida por irrigação proporcional a chuvas extremas, simulando o efeito da seca prolongada seguida por chuva pesada.
As plantas foram acompanhadas por 60 dias em estufa fechada para garantir que nenhum inseto consumisse o néctar. Durante esse período foram medidas a quantidade de néctar e a de açúcares totais contidos por flor e por planta. Os dados permitiram ainda estimar a produção de néctar e açúcares por área plantada.
Embora os resultados sejam fruto de um trabalho experimental em estufa, com uma espécie cultivada, os autores acreditam que sejam um forte indicativo do que pode ocorrer em ambientes naturais e com outras culturas agrícolas.
O estudo contou ainda com a colaboração de Carmen Boaro, fisiologista e professora do IBB-Unesp, e de Leonardo Galetto, ecólogo da Universidade Nacional de Córdoba, na Argentina.
“Estamos agora explorando os efeitos das mudanças climáticas em espécies de plantas nativas e em outras cultivadas, testando o impacto de ondas de calor e de outros eventos extremos. Outro desdobramento do estudo é a investigação sobre como as abelhas reagem às mudanças que ocorrem nas flores nesse contexto, por meio de análises comportamentais”, diz Priscila Tunes, coautora do trabalho, que realiza pós-doutorado no IBB-Unesp com bolsa da FAPESP e atualmente realiza estágio na Queen Mary University of London, no Reino Unido.
O artigo Extreme events induced by climate change alter nectar offer to pollinators in cross pollination-dependent crops pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41598-025-94565-2.