Barry O’Keefe apresentou resultados de estudos clínicos com uma proteína isolada de alga vermelha do gênero Griffithsia. A substância tem ação contra o HIV e diversos coronavírus (foto: John Martin Davies/Wikimedia Commons)
Publicado em 10/08/2022
André Julião, de Itatiba | Agência FAPESP – A busca por compostos naturais ganhou força nas últimas décadas graças ao uso de técnicas como a de fracionamento, que permitem identificar em plantas, animais e microrganismos substâncias em baixas concentrações. Entre os sucessos obtidos estão agentes antivirais, que ganham especial relevância durante uma pandemia.
“A descoberta de produtos naturais no século 21” foi o tema da conferência de Barry O’Keefe, diretor do Programa de Alvos Moleculares do Centro de Pesquisa em Câncer do National Cancer Institute (NCI), dos Estados Unidos. O pesquisador falou para um público de 60 jovens pesquisadores na última terça-feira (09/08), segundo dia da Escola FAPESP 60 anos: Ciências Exatas, Naturais e da Vida, ocorrida em Itatiba (SP).
“Tradicionalmente, a busca por produtos naturais usava misturas que podiam ter centenas, talvez milhares de compostos viscosos, coloridos, fluorescentes e, portanto, muito difíceis de estudar. Mais recentemente, purificando parcialmente esses extratos, foi possível fazer bibliotecas de compostos que pudessem ser analisados por técnicas modernas de descoberta de moléculas, diminuindo o número de ensaios e aumentando a probabilidade de encontrar moléculas importantes para a saúde humana”, disse O’Keefe à Agência FAPESP.
Essas bibliotecas atualmente podem ser disponibilizadas pelo NCI a pesquisadores que queiram buscar compostos naturais ativos contra diferentes agentes infecciosos e outros alvos moleculares de diversas doenças.
“É muito difícil para um jovem pesquisador conseguir financiamento para ir a campo coletar organismos, fazer os extratos e as frações. Esses bancos de dados permitem que eles possam se envolver na pesquisa de produtos naturais sem ter de fazer isso”, contou.
O pesquisador apresentou resultados recentes do centro comandado por ele, como os estudos clínicos com uma proteína isolada da alga vermelha do gênero Griffithsia, da Nova Zelândia. O composto já havia se mostrado ativo contra o HIV, vírus causador da Aids, e com uma série de vantagens, entre elas estabilidade mesmo em altas temperaturas. Em 2010, os pesquisadores obtiveram bons resultados in vitro e em animais contra os coronavírus SARS-CoV e MERS. Agora, estudos mostraram que a substância também age contra o SARS-CoV-2, causador da COVID-19.
“O mecanismo de ação é único, diferente do que vemos com vacinas, anticorpos monoclonais e inibidores usados atualmente contra o SARS-CoV-2. Creio que temos algo que pode ser usado numa situação preventiva. Ainda que não chegue ao mercado agora, há uma preocupação contínua de vírus pandêmicos emergindo ao redor do mundo. Então é importante ter agentes antivirais de largo espectro que possam ser usados caso haja novos vírus de preocupação”, afirmou.
Usando a mesma proteína, seu grupo desenvolveu ainda um gel que pode ser aplicado por mulheres na vagina, prevenindo a entrada do HIV. Se bem-sucedida, a estratégia será uma das poucas que garantem a proteção para o sexo feminino, independentemente da vontade dos parceiros homens.
“Homens podem usar preservativos, ser circuncisados. Mulheres não têm as mesmas opções. Precisamos de apoio internacional para empoderar as mulheres para que possam ter agentes como esse para protegê-las do HIV, de forma que não dependam dos homens”, encerrou.
Física das células
No mesmo dia, o brasileiro José Nelson Onuchic, professor da Rice University, nos Estados Unidos, falou sobre seus estudos que buscam entender como a estrutura do núcleo da célula controla a expressão de genes.
“As proteínas têm uma estrutura muito bem definida. O núcleo, não. Ele tem um certo comportamento estrutural, mas é muito mais do que um grupo de estruturas. Então não se consegue explicá-lo em termos de uma estrutura, mas como esse grupo se forma”, disse.
Os desdobramentos desse tipo de estudo podem ser úteis para inúmeras linhas de pesquisa, o que justifica as muitas parcerias que o cientista mantém em diversas partes do mundo.
“Não se trata só de ter bons dados ou bons modelos, mas algo no meio do caminho. Estamos tentando unir as duas coisas, utilizar o que é melhor das ciências exatas e das ciências biológicas”, afirmou.
Impactos sociais da inteligência artificial
Virgilio Almeida, professor do Instituto de Ciências Exatas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), falou sobre os diferentes impactos sociais das tecnologias de inteligência artificial. O pesquisador apresentou estudos que mostram como algoritmos podem ter vieses racistas, sexistas e levar pessoas antes moderadas a discursos de ódio.
Compreender esses fenômenos é essencial tanto para criar regras para as plataformas aplicarem aos usuários quanto para criar regulações mais amplas, como as que estão sendo debatidas atualmente na União Europeia.
A Escola FAPESP 60 anos: Ciências Exatas, Naturais e da Vida terminou ontem (10/08), com uma conferência sobre o Antropoceno proferida por Guy Brasseur, pesquisador do Max Planck Institute for Meteorology, em Hamburgo, na Alemanha.